Fertilização In Vitro: Entre Ciência, Conexão e Consciência
12/09/2025
Introdução: o milagre e os desafios da FIV
A fertilização in vitro (FIV) é, sem dúvida, uma das maiores conquistas da ciência moderna. Para muitos casais que enfrentam dificuldades em conceber, ela representa a concretização de um sonho que parecia impossível. Bebês concebidos por FIV estão entre os mais desejados e aguardados do planeta, frutos de muita luta, persistência e amor.
Mas junto com essa grande bênção, precisamos também olhar para um aspecto mais sutil, muitas vezes esquecido: o impacto emocional e psicológico que pode se iniciar já no momento da concepção assistida. A maior parte das pesquisas sobre FIV ainda se concentra em taxas de sucesso, complicações médicas e efeitos fisiológicos, mas hoje já sabemos que há dimensões invisíveis que não podem ser ignoradas.
Este artigo não pretende gerar medo ou culpa nos pais. Pelo contrário, reconhecemos que quem recorre à reprodução assistida o faz movido por um desejo nobre: amar e trazer uma vida ao mundo. Nosso objetivo é oferecer informação, reflexão e caminhos para que essa nova vida seja recebida não apenas com tecnologia, mas também com consciência e acolhimento.

O impacto invisível da concepção assistida
O processo da FIV envolve intervenções intensas: estimulação hormonal, coleta de óvulos, manipulação de gametas em laboratório, uso de técnicas como ICSI (injeção intracitoplasmática de espermatozoide), congelamento de embriões e, em alguns casos, reduções embrionárias. Todas essas etapas são realizadas para viabilizar a vida, mas também representam choques precoces em uma fase extremamente sensível do desenvolvimento humano.
Pesquisas em epigenética mostram que muitas das alterações no funcionamento dos genes ocorrem justamente na fase embrionária. Isso significa que intervenções nesse período, como as que ocorrem nas técnicas de reprodução assistida, podem potencialmente alterar a expressão gênica (Hiura et al., 2014; Lazaraviciute et al., 2014). Há indícios de risco aumentado para doenças raras de imprinting, ainda que a maioria dos bebês concebidos por FIV seja saudável. Outros estudos também sugerem maior risco de complicações obstétricas e diferenças no desenvolvimento inicial (Maheshwari et al., 2018).
Esses dados não devem ser vistos como sentenças, mas como convites à consciência. Afinal, quando a ciência foca apenas nos números e ignora as histórias, os sintomas mais sutis podem ser descartados como estatisticamente irrelevantes. Mas na clínica, no contato real com crianças e famílias, percebemos que esses sinais fazem parte de narrativas profundas que merecem ser escutadas.
Casos clínicos e o que a ciência já sabe
Redução embrionária e perdas

O que a ciência mostra
O chamado vanishing twin syndrome (síndrome do gêmeo desaparecido) está bem documentado: estima-se que até 30% das gestações múltiplas passem por essa experiência (Boklage, 2009). Estudos indicam que sobreviventes podem carregar maior risco de ansiedade, luto não elaborado e dificuldades emocionais (Kirkpatrick, 2012). Quando essas perdas ocorrem em contexto de reprodução assistida, a carga emocional pode ser ainda mais significativa.

Casos clínicos
Juan, um menino de cinco anos, perdeu três irmãos por redução embrionária. Apresentava ansiedade intensa, chorava para ir à escola e arrancava os próprios cílios. Em suas brincadeiras, construía ninhos para seis ovos, como se buscasse inconscientemente dar um lugar seguro aos irmãos que se foram.
William Emerson também relatou casos semelhantes. Tommy e Ísis, crianças acompanhadas em terapia, traziam em seus jogos a presença de irmãos perdidos, como se ainda compartilhassem o útero com eles. Essas expressões revelam como a vida psíquica já estava marcada por experiências precoces de perda.
Esses relatos não servem para condenar os pais, que aceitaram a redução embrionária como orientação médica, mas para lembrar que o bebê sobrevivente também carrega marcas dessa história e pode precisar de apoio para elaborá-la.
Congelamento de embriões: a “Era Glacial”

O que a ciência mostra
Estudos sugerem que embriões congelados podem apresentar diferenças epigenéticas em relação a embriões transferidos a fresco, além de pequenas variações em peso ao nascer e risco obstétrico (Maheshwari et al., 2018). Ainda não há consenso sobre os impactos psicológicos, mas a fase embrionária é sabidamente crítica para o desenvolvimento.
Casos clínicos
William Emerson descreveu dois casos marcantes. Uma criança era obcecada pelo frio, queria viver no Alasca e enchia seu quarto com imagens de montanhas cobertas de gelo. Outra tinha aversão extrema ao frio, sentia-se gelada o tempo todo e só falava em morar em ambientes tropicais. Ambas haviam sido embriões congelados.
Durante o processo terapêutico, ao poderem narrar e elaborar a experiência de “ter sido congeladas”, esses sintomas diminuíram. Junto com isso, conflitos familiares também se suavizaram. Esses exemplos mostram que o congelamento não foi apenas um procedimento técnico, mas uma vivência subjetiva inscrita no corpo e na psique dessas crianças.
Memórias oníricas e simbólicas

O que a ciência mostra
Pesquisas em memória implícita e corporal indicam que experiências precoces, mesmo sem linguagem, podem ser registradas e reaparecer mais tarde na forma de símbolos, jogos e sonhos (Schore, 2001; van der Kolk, 2014). Embora não existam ainda estudos específicos sobre sonhos de crianças concebidas por FIV, observações clínicas sugerem que eles podem ser um canal de expressão de memórias uterinas.
Casos clínicos
Karlton Terry relatou crianças que sonhavam repetidamente com irmãos enterrados na neve ou sufocados sob o gelo. Essas imagens, aparentemente fantasiosas, estavam diretamente ligadas a histórias de reprodução assistida, congelamento e perdas embrionárias. Os sonhos funcionavam como uma via simbólica para dar expressão ao que foi vivido de forma somática no início da vida.

O papel da terapia e do acolhimento
O que vemos nesses relatos é que a tecnologia, por mais avançada que seja, não elimina a necessidade de cuidado humano. Pelo contrário, quanto mais técnicas sofisticadas utilizamos, mais precisamos trazer calor, presença e humanidade para equilibrar.
Não se trata de culpar os pais, que já enfrentaram dores e desafios em busca de um filho. O foco está em reconhecer que a técnica pode deixar marcas invisíveis e que as crianças podem precisar de apoio para elaborá-las. Terapias somáticas e pré e perinatais ajudam a acessar memórias implícitas e permitem que a criança encontre palavras, corpo e rituais para integrar o que viveu.
Para os pais, pequenos gestos fazem grande diferença: falar com o bebê durante o processo, criar rituais de acolhimento, reconhecer perdas e irmãos que não seguiram adiante, oferecer calor emocional em meio ao ambiente técnico. Para os profissionais de saúde, é fundamental lembrar que não lidam apenas com células, mas com histórias humanas desde o primeiro instante.
Sugestões práticas para pais e profissionais
- Para pais: Crie momentos de vínculo com o bebê ainda durante o processo, fale com ele, cante, ofereça calor emocional. Se houve perdas de irmãos, reconheça-os de forma simbólica, com uma vela, uma oração ou simplesmente uma palavra de lembrança. Isso traz alívio e clareza para todos.
- Para profissionais de saúde: Incluam a dimensão emocional no cuidado. Explique cada passo aos pais, incentive-os a se conectarem com o bebê. Um ambiente mais humano pode reduzir a sensação de invasão e solidão que muitas vezes acompanha os procedimentos técnicos.
- Para terapeutas: Estejam atentos aos sinais sutis em crianças concebidas por reprodução assistida: ansiedade, jogos repetitivos, obsessões, dificuldades escolares sem explicação aparente. Esses sintomas podem ser chaves de acesso a experiências muito precoces que pedem elaboração.

Reflexões finais
A fertilização in vitro é uma bênção. Ela trouxe ao mundo milhares de vidas que talvez nunca tivessem chegado de outra forma. Mas junto com o milagre da vida, precisamos ter coragem de olhar para as marcas invisíveis.
O amor, a consciência e a presença têm poder de transformar qualquer contexto. Quando integramos ciência e sensibilidade, técnica e humanidade, não apenas geramos vidas, mas as acolhemos em sua totalidade.

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Bibliografia
- Boklage, C. E. (2009). Survival probability of human conceptions from fertilization to term. International Journal of Fertility and Sterility.
- Hiura, H., Okae, H., Chiba, H., Miyauchi, N., Sato, F., Sato, A., & Arima, T. (2014). Imprinting methylation errors in ART. Reproductive Medicine and Biology.
- Kirkpatrick, B. (2012). Vanishing twin syndrome and its impact on surviving children. Journal of Prenatal and Perinatal Psychology and Health.
- Lazaraviciute, G., Kauser, M., Bhattacharya, S., Haggarty, P., & Bhattacharya, S. (2014). A systematic review and meta-analysis of DNA methylation levels and imprinting disorders in children conceived by IVF/ICSI. Human Reproduction Update, 20(6), 840–852.
- Maheshwari, A., Pandey, S., Shetty, A., Hamilton, M., & Bhattacharya, S. (2018). Obstetric and perinatal outcomes in singleton pregnancies following ART. Human Reproduction Update, 24(6), 673–690.
- Schore, A. N. (2001). The effects of early relational trauma on right brain development. Infant Mental Health Journal, 22(1-2), 201–269.
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Por ter uma visão ampla faço muita pergunta.
Que deu início técnico em 2007 nas aulas de Biologia e Fisiologia mais Citologia quando estava estudando no 3° grau. Ser fora da caixa padrão torna agente fora da curva comum.
Desisti de ser juíza para estudar gente. Atualmente Psicoterapiacorporal Sistêmica 🧡
Mari Freiberger Novo Hamburgo RS 🇧🇷